Artículos de Psicoterapia Integrativa
ENTRE DOIS MUNDOS: O SELF ENCAPSULADO
Marye O´Reilly-Knapp
Traduzido por Andre Rocha Cançado
Resumo
Este artigo explora a natureza do processo esquizóide, o qual serve para proteger o indivíduo diante de um colapso psicológico. Alguém que usa defesas esquizóides para sua sobrevivência teme relacionamentos íntimos e experimenta uma cisão entre o mundo externo e seu self. Presa entre conflitos internos e externos, a pessoa pode se isolar em um encapsulamento autístico - mecanismo arcaico de defesa que transforma a vida em constante estado de isolamento, ambivalência e confusão. Este artigo faz uma consideração de como a condição esquizóide pode se manifestar como estados dissociativos e autísticos, representando um quarto padrão de vínculo inseguro. Vinhetas clínicas são usadas para ilustrar experiências fenomenológicas do recluso e incomunicável mundo esquizóide, identificar o contato e métodos de questionamento, envolvimento e harmonização usados em uma estreita relação terapêutica.
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Em um quadro esquizóide, a pessoa vive uma existência fechada e isolada, em que o mundo externo é abolido e o mundo interno enquadrado. Essa fortaleza invisível, como descrita por Bettleheim (1967), restringe severamente o vínculo com os outros e alimenta idéias auto-geradas, baseadas em fantasias. A vida emerge de forma ameaçadora, portanto as pessoas são apenas toleradas para garantir uma sobrevivência básica. Para os indivíduos esquizóides, o desenvolvimento do self foi impedido durante a infância e, ao longo da vida, fica encapsulado, condição esta que protege a integridade e continuidade do self, porém ele permanece limitado e deficiente.
Compreender como a condição esquizóide se desenvolve, requer o exame dos primeiros estágios do desenvolvimento, formação do sistema de script e o impacto dos relacionamentos na organização e consolidação do sentimento de identidade e autonomia perante os outros.
Nos primeiros anos, a experiência é vivida e organizada através de sensações somáticas ou pelo corpo do ego. As vivências da infância são gravadas no corpo da criança através do relacionamento com a mãe ou substituto. Nesse relacionamento, um sentimento de intimidade possibilita o aparecimento do eu. Quando nas primeiras experiências da criança prevalecem desqualificações e ameaças, sem que ninguém possa oferecer proteção, conforto, e se outras experiências ao longo da vida mostrarem que o mundo é um lugar perigoso e imprevisível, o potencial que a pessoa tem de expandir seu self é afetado. Excluídos da consciência, partes fundamentais do self (como o sentimento de identidade) são armazenadas como estruturas encapsuladas que preservam a integridade e a continuidade de um senso de subjetividade. Fixações arcaicas – partes de experiências infantis que não foram integradas – também são mantidas dissociadas e fora da consciência.
O que é necessário em uma relação terapêutica para que as partes isoladas e incomunicáveis do cliente esquizóide possam ser faladas, escutadas e compreendidas? E, ao mesmo tempo, como a integridade e harmonia do cliente podem ser mantidas para que a emergência do self seja possível? Essas duas questões, juntamente com a descrição do mundo esquizóide como algo dissociado e autístico, são o tópico central deste artigo.
Como analistas transacionais, estamos em uma posição única de trabalhar tanto com o mundo intrapsíquico quanto com os componentes interpessoais de um self que se encontra separado do mundo e até mesmo da própria pessoa acometida. Nós entendemos os conceitos de formação dos estados do Ego (Berne 1961), do sistema de scripts (Erskine & Zalcman, 1979) a teoria e métodos da Análise Transacional Integrativa (Erskine, Moursund & Trautmann, 1999) como meio de estabelecer uma íntima relação terapêutica. Acredito que uma maneira de alcançar as partes isoladas da personalidade é usar a concepção de Criança Natural desenvolvida por Berne, análise do sistema de scripts e os métodos de questionamento, sintonia e envolvimento, os quais representam as técnicas fundamentais da Psicoterapia Integrativa desenvolvida por Erskine e Trautmann.
Cisões no self : as concepções de Fairbairn e Guntrip
Ao descrever o retraimento esquizóide, os teóricos das relações objetais Fairbairn (1952) e Guntrip (1968,1995) sugeriram que o ego se divide em quatro partes. Fairbairn descreve duas divisões. Na primeira existe a parte central do ego em contato com o mundo externo e outra parte que se volta para o mundo interno. A segunda divisão acontece quando o ego se volta para sua parte libidinal e antilibidinal. Quando a parte central do ego tenta desesperadamente se dirigir para o mundo externo, as necessidades e desejos da Criança (ego libidinal) são obstruídos por um ego persecutório (ego antilibidinal). O conflito interno entre as necessidades desejadas e as necessidades diminuídas ou descontadas, deixa o domínio intrapsíquico em estado de confusão e turbulência. Quando questionados a respeito de suas necessidades, os indivíduos esquizóides geralmente respondem: "eu não sei" ou "isso realmente não importa".
Guntrip acrescentou um terceiro e derradeiro mecanismo de cisão do ego libidinal na fase oral e regredida do ego. Este é, portanto, o dilema da posição esquizóide:
-A antiga integridade do ego está agora perdida, devido a quatro cisões que empobrecem a capacidade do ego de enfrentar o mundo exterior;
-um exigente ego libidinal, internamente perseguido por um cruel ego antilibidinal;
-e, finalmente, um ego regredido que sabe e aceita o fato de ser esmagado pelo medo e, exausto, não sobreviverá, a não ser que possa, por assim dizer, experimentar uma convalescença mental, em que possa se sentir em paz, seguro e se recuperar.
Uma pessoa que separou partes do self perde a esperança tanto no mundo externo quanto na experiência interna. A estruturação do ego fica comprometida. Erskine (1997) descreveu como uma parte do self pode se perder; eu o chamo de self escondido. Na verdade, a parte cindida da personalidade está perdida e escondida.
Marie veio se tratar porque estava deprimida e se sentia sozinha e isolada. Ela disse que sempre fazia as coisas sozinha, pois nunca havia ninguém para ajudá-la. Quando pequena, se sentia invisível. Quando perguntam o que ela deseja ou precisa ela "não fazia idéia". Ela se sente "congelada no tempo e no espaço".
Entre objetos: Retraimento e Dissociação como defesas
Devido à defesa esquizóide, não existe relacionamento com o outro, nem mesmo uma real conexão com uma pessoa. No trabalho com pessoas que usam o processo esquizóide como mecanismo de defesa, observei que havia não apenas um retraimento primitivo (por exemplo, um quadro de autismo), mas também uma postura defensiva dissociada, usada para dar continuidade à existência. A capacidade de separar as experiências da consciência e se dissociar quando o self se sente ameaçado, permite a pessoa escapar de um perigo iminente. O retraimento, assim como a separação das experiências internas e externas, torna-se um escudo contra situações esmagadoras.
Em um estudo feito com 12 crianças cujas mães estavam severamente deprimidas, Fraiberg (1987) observou traços de estagnação psicológica, em que o retraimento conduzia à imobilização e indiferença. Percebe-se também nos indivíduos esquizóides, fuga para o isolamento e o encarceramento de partes não integradas permite que eles continuem a viver defensivamente, em contínua vigilância, confusão e solidão. Tentativas de vinculação seguidas de distanciamento das pessoas e até mesmo do self mantêm a pessoa em perpétuo isolamento, que desiste das relações com objetos externos e passa a viver, de acordo com o que Guntrip descreveu como um "expectador indiferente" (p.18).
Pessoas esquizóides se retraem diante de objetos internos que são perturbadores e poderosos. Elas podem encontrar alívio temporário no isolamento encapsulado, um lugar onde se pode descansar da exaustão advinda dos intensos conflitos internos e externos. Contudo, essa estratégia extrema de retraimento compromete a personalidade: desejos, necessidades e demandas são desconhecidos. Barreiras primitivas mantêm a pessoa isolada e perdida, até mesmo de si mesma.
Esta é minha premissa: na condição esquizóide, a pessoa vive em um mundo de isolamento criado pelo retraimento diante do outro; o indivíduo também vive em um ambiente de experiências desintegradas, ao mesmo tempo em que tenta se conectar com o mundo real. Ele ou ela vivem – como era de se esperar - no limbo, pois não há uma clara noção de "eu". As partes dissociadas do self permanecem isoladas. Por exemplo, ao relatar seu autismo, Williams (1993) disse viver em um mundo cego, surdo e mudo, mesmo possuindo capacidade de ver, escutar e falar. Ela usou do retraimento e dissociação para proteger e manter sua vida. Como o encapsulamento autístico é uma defesa infantil, quando mantida na vida adulta, torna-se parte da dinâmica do estado ego Criança. A capacidade de identificar estados do ego, especialmente o estado de ego Criança, facilitou meu trabalho diante esse arcaico mecanismo de defesa e a lidar com o processo primário que é inerente à condição esquizóide.
Contemplando e entendendo o trabalho de Winnicot com delinqüentes ajuda na compreensão dos indivíduos esquizóides. Uma maneira de lidar com um delinqüente é não abordar diretamente os traumas, pois isso pode ser insuportável. Se não existe ninguém para dar alívio e conforto, outra estratégia é usada. Parece que o encapsulamento autístico revela que o mundo é excessivo, então a pessoa escapa para um lugar descrito pelos clientes como "o vazio", "buraco negro", "a concha", "congelado" e "não pertencendo ao mundo". Khan (1974) conta sobre uma cliente que dizia "viver sob um cobertor" (p.142). Um de meus clientes escreveu: "a dor é grande demais; quero que ela vá embora. Eu posso fazê-la ir embora, mas eu também desapareço junto com ela".
Para tais indivíduos pode existir pouca conexão com o mundo real, pois não há como eles se conectarem nem mesmo com aquilo que realmente são. A fantasia domina a realidade. O mundo se torna perigoso, não há ninguém para apoiar, validar ou regular pensamentos e sentimentos. A norma é, na melhor das hipóteses, vínculos instáveis e distanciamento das pessoas. Tal retraimento como dinâmica do estado ego Criança permite que a pessoa sobreviva; contudo, essas adaptações reforçam respostas arcaicas em vez de permitir o aprimoramento da personalidade e novas habilidades na resolução de problemas. Frequentemente estes indivíduos relatam se sentirem como uma "coisa" e projetam essa sensação de serem um objeto nos outros, na expectativa de serem tratados como coisas em vez de pessoas de verdade.
Em resumo, os trabalhos de Fairbairn, Guntrip, Bettlehein, Khan, Odgen e Winnicott apóiam minha opinião de que o encapsulamento autístico é o mecanismo mais arcaico de organização da psiquê e também uma primitiva forma de retraimento. Essa existência reclusa como mecanismo de proteção é o núcleo do quadro esquizóide; é também o núcleo dos processos de fixação e dissociação que reforçam o retraimento. Isso será discutido na próxima parte deste artigo.
Separação e Encapsulamento: O self escondido
Como resultado de um recente estudo sobre o desenvolvimento, sabemos que a criança é um participante distinto e ativo em seu meio (Cassidy & Shaver, 1999; Marrone, 1998; Stern, 1985). Também estamos cientes de que, para o desenvolvimento saudável acontecer, os bebês precisam da presença de uma figura materna amorosa que ajude a guiá-los pelo mundo e eventualmente revelar a essência deles. Como Bettleheim (1976) escreveu: "A criança precisa, em primeiro lugar, tornar-se importante para outro ser humano que ela possa influenciar e, conseqüentemente, esse ser humano tornar-se-á importante para ela" (p.229). Essa influência mútua facilita o desenvolvimento, surgindo no bebê a noção de "eu". Através do comportamento da criança e de respostas apropriadas do outro que cuida dela, o bebê é convidado a se mover em direção ao mundo com a consciência de que seu self é uma ponte que o conecta com as pessoas de seu meio. Ao contrário, uma pessoa que se utiliza do processo esquizóide não percebe o convite para estar no mundo com os outros. A divisão dentro da estrutura esquizóide mantém a necessidade de contato fora da consciência.
Trabalhos sobre apego podem nos ajudar a compreender como o isolamento e separação dos outros perpetua o compromisso da estrutura esquizóide. (o compromisso envolve uma posição intermediária de necessidade de contato e retraimento diante do outro). Ao desenvolver sua teoria sobre apego, Bowlby (1958,1969,1973,1988) identificou as ligações afetivas como a base para o desenvolvimento de uma personalidade segura e auto-suficiente. Quando acontece um abandono ou ameaça de abandono, ou nenhuma resposta à necessidade de apego, a criança tenta, primeiramente, recuperar a presença da mãe chorando e movendo seu corpo. A criança não está apenas com raiva, mas ansiosa. Se não há resposta, a criança percebe que ninguém virá e se torna triste e quieta. Cansada e deixada de lado, a criança, na última tentativa de sobrevivência, afasta-se da situação e de sua essência enquanto ser vivo. Com a acumulação de traumas (Kahn, 1974), através dos quais existe um cuidado materno insuficiente e talvez até mesmo traumas maiores envolvendo violência, o desapego pode se dar justamente nos processos primários de sobrevivência e iniciativa. A capacidade do outro em responder, normalmente um outro especial, representa o vínculo recíproco perante as necessidades. Quando o cuidado materno não existe, o desapego para com os próprios desejos e necessidades se tornam a regra.
Quando Marie entrou em contato com sua antiga infância, ela começou a perceber o quanto sua mãe tinha sido deprimida. Marie se lembra de quando era bem pequena e sua mãe lhe disse "pede para o seu pai" quando pediu sua ajuda. Ela procurou seu pai e foi maltratada. Ela se isolou de todo mundo. Ela se isolou das lembranças dos maltratos, banindo-os de sua consciência. Deixada de lado, ela abriu mão de seus desejos e necessidades.
Quando a criança se torna desapegada, desejos e necessidades desde a infância até a adolescência são congelados no tempo. As emoções não podem ser moduladas e integradas. Não pode existir noção de essência humana quando experiências internas e externas são percebidas como caóticas; a integridade dos estados do ego é perdida e a parte retraída e regredida da personalidade permanece encapsulada. Nesta descrição de alteração com o vínculo de uma criança, Winnicott (1988) ilustra através de desenhos, o retorno dela a um estágio de "isolamento na solidão" (p.128) para poder se sentir viva. Por sua vez, Fraiberg (1987) descreve um "retraimento permanente" após um vôo ameaçador (p.200). É esse lugar isolado e arcaico que atrai a pessoa para a posição esquizóide, protegendo um ser sensível, vulnerável de distúrbios internos e externos.
Contudo, mantendo essa posição de atividade defensiva, percebe-se profundas conseqüências na capacidade de auto-suficiência. O sistema que organiza as experiências é feito para evitar sentimentos e memórias dessas experiências. O desapego, que é uma parede de indiferença, juntamente com o retraimento cercado pela barreira autística, isola a pessoa em um mundo escondido, no qual as fantasias predominam e sentimentos esmagadores são a norma. Desejos e necessidades básicas se perdem no retraimento psíquico, e os relacionamentos são deixados de lado, porque aquilo que é mais desejado é também o mais temido. A pessoa flutua num espaço que é a interseção entre o mundo interno e externo, mas sem ter uma relação verdadeira com nenhum dos dois. O mundo interno consiste de relações objetais repletas de fantasias, sonhos e uma concha formada pelo isolamento primitivo. No que se refere ao mundo externo, a pessoa não está conectada a ele, e nem espera relacionamentos com os outros ou ajuda deles. É como se a pessoa não pudesse ficar em lugar algum e termina perdida, assustada e sozinha. Sem relacionamentos, não existe autêntica sensação de self. A perda do sentimento de self parece ser "o resultado de uma catástrofe intersubjetiva em que os relacionamentos importantes são destruídos em seu nível mais básico" (Atwood, & Stolorow, 1997, p.55).
Fixação no Estado Ego Criança
Uma de minhas intenções aqui é clarificar um pouco da confusão que existe sobre os arcaicos estados do ego, fixados em processos defensivos e negligência psicológica advinda de traumas. É útil para os analistas transacionais levar em conta o trabalho de Fairbairn e Guntrip a respeito da cisão no primitivo estado ego Criança. Berne (1961) disse que "a Criança inclui um Pai da Criança, Adulto da Criança e Criança da Criança e ainda um estado de ego Criança ainda mais arcaico que, sob stress, pode retornar no presente" (p.301). O retraimento, como mecanismo de defesa foi descrito por Winnicott (1988), quando ele mostrou o retorno da criança a um estado de "isolamento silencioso" na tentativa de recuperar a sensação de estar viva. Então, é com o modelo de cisão proposto por Guntrip, que nos inteiramos dos detalhes sobre o retraimento ainda no estágio pré-verbal do desenvolvimento. A Criança da Criança guarda um estado primitivo do ser que se esforça por manter a vida; esse princípio parece idêntico às considerações de Guntrip e Winnicott. O retraimento maciço, um adiamento temporário, torna-se um modo de vida – um traço do script de vida. Em análise transacional, os padrões de isolamento, retraimento e cisão advindos do script precisam ser esmiuçados durante sua análise. Crenças, sentimentos, desejos, fantasias, padrões de comportamento e memórias reforçadoras são foco do tratamento terapêutico da Psicoterapia Integrativa orientada para o contato (Erskine & Moursund, 1988; Erskine & Zalcman, 1979). No esconderijo do retraimento há apenas uma existência, sem nenhum senso do próprio self e do self dos outros. A pessoa permanece sem se envolver, desintegrada em um desespero silencioso. Padrões de retraimento e dissociação fazem parte da condição esquizóide.
O "Entre"- espaço
Um processo intensivo de psicoterapia é necessário para se chegar ao núcleo das experiências infantis dos indivíduos que possuem a estrutura esquizóide. Revelando os conflitos abaixo dos problemas, compreendendo o material inconsciente e estruturar um relacionamento são maneiras de entrar em contato com o núcleo da Criança e seus conteúdos arcaicos. Para a psicoterapia ser efetiva com esses clientes é necessário trabalhar com a parte escondida da personalidade e as experiências de vida não integradas. Requer a compreensão de conflitos emocionais inconscientes, necessidades não satisfeitas e perdas de relacionamentos. Essas pessoas começam a entender suas experiências através do contato com suas necessidades não satisfeitas e conflitos internos dentro da relação terapêutica. O relacionamento no aqui-e-agora com o terapeuta, a regressão a etapas fixadas e aspectos dissociados são um caminho para descongelar partes arcaicas do estágio de formação do ego e surgimento do self. Não é uma tarefa fácil e difícil de colocar em palavras. Tanto para o cliente quanto para o terapeuta, o processo psicoterapêutico provém de um relacionamento único e sempre dinâmico. Teoria e técnica são usadas como guia e a relação psicoterapêutica é a mediadora.
A teoria e métodos que eu uso derivam da psicoterapia integrativa (Erskine & Moursund, 1988; Erskine, Moursund, Trautmann, 1999). Para aqueles que lutam contra os sintomas esquizóides, a relação terapêutica permite a relação-de-contato que facilita a cura e o aparecimento do self perdido e retraído. Através de questionamentos empáticos, as experiências subjetivas da pessoa podem ser exploradas, conteúdos históricos examinados, compreensão dos mecanismos de enfrentamento e pontos vulneráveis de um self escondido e assustado podem ser cuidados. A relação terapêutica se torna a base em que o significado e afeto das lembranças podem ser construídas, de modo que a narrativa da pessoa pode ser melhor compreendida e integrada. Aspectos cognitivos, afetivos, fisiológicos e comportamentais são analisados através da história da pessoa, componentes fenomenológicos e de seu sistema de script.
A grande proposta do espaço relacional criado pelo cliente e psicoterapeuta é garantir um lugar no qual o cliente possa reorganizar um senso interno ser e sair do antigo desapego e isolamento. Winnicott (1958) primeiro descreveu esse espaço como um "espaço potencial" (p.54); ele identificou esse espaço intersubjetivo como uma área propícia para a experiência na qual o cliente e psicoterapeuta trabalham os padrões repetitivos de sentimentos, pensamentos, ações e sensações. O que é desconhecido ou impensável se torna conhecido e e compreendido, aquilo que é repudiado e alienado se torna conectado a sentimentos e sensações e, nesse processo, ações e comportamentos são reconhecidos.
Na reorganização da personalidade, intervenções terapêuticas que lidam com a regressão devem ser consideradas.
Em uma sessão O dedo de Marie mal se mexia enquanto ela estava aprisionada em seu "vazio" retraimento; isso me tocou e, com a ponta de meu dedo toquei a ponta do dedo dela. Ela respondeu enroscando seu dedo no meu, aumentando com isso a sensação do toque. O contato foi feito.
Em tais situações, um contato seguro com uma pessoa presente e atenta aos desejos e necessidades do cliente é fundamental. Tal aproximação ou vínculo permite a sensação de alguém-com-o-mundo que surge em uma relação verdadeira através da qual o envolvimento interpessoal é aceito. Isso mostra que as necessidades relacionais não estão presentes apenas durante a infância; "elas são componentes da relação que estão presentes no dia a dia de nossas vidas" (Erskine & Trautmann, 1996, p.322). Nos relacionamentos, fazemos vínculos com os outros; em uma relação segura, espontaneidade, flexibilidade e intimidade podem ser vividas e as pessoas serem elas mesmas.
Padrões de Apego Inseguro
Nós construímos uma base segura ou insegura a partir de nossos primeiros vínculos. Quando os relacionamentos não são previsíveis e a percepção de ser é ameaçada, a insegurança pode se instalar e a criança experimenta que a possibilidade de vínculo ora está disponível, ora não. Tal fenômeno recebe o nome de apego ambivalente. Um segundo tipo de apego inseguro – apego esquivo – (Bowlby, 1973), tem a característica de minimizar a necessidade de conexão de tal modo que a criança passa a não esperar que outro esteja presente ou responsivo. Um terceiro modo de apego inseguro ou ansioso – apego desorganizado – (Marrone, 1973), também foi descrito. Nesses casos a história de vida da pessoa é apagada ou confusa, como visto nos distúrbios dissociativos (Barach, 1991; Liotti, 1992) e a conexão com o objeto de apego é danificada.
Eu proponho um quarto padrão de apego inseguro o qual chamo de "apego isolado". Nesse padrão, relacionamentos com os outros não são imprimidos no sistema representacional do psiquismo. Objetos internalizados são eliminados por uma barreira ou obstáculo. Isolada das pessoas e do mundo, isolada de suas necessidades e desejos, a pessoa se retrai tanto em seu vazio, como se não existisse nenhum objeto e até mesmo o senso de ser é destruído. Essa aniquilação do senso de ser sofrida pela personalidade, faz com que esse padrão de apego seja diferente do apego ambivalente, esquivo ou desorganizado; no apego isolado não existem objetos, nenhum tipo de relacionamento. A pessoa assume um ar de desinteresse, indiferença, e/ou desdém e parece ser inalcançável ou inabordável.
Métodos para Lidar com o self encapsulado na psicoterapia
Devido ao extremo isolamento e aniquilamento do self e dos outros que caracterizam aqueles que possuem uma estrutura esquizóide, a psicoterapia com esses indivíduos precisa qualificar a condição única do cliente, lidar com a motivação e necessidade de contato e levar em conta processos intrapsíquicos, tais como os estados do ego e script de vida. Acredito que estes sejam métodos particularmente úteis nesse tipo de trabalho.
Contato com o estado do ego retraído. Oferecendo um lugar seguro para a emergência do self e estabelecimento de um vínculo terapêutico é fundamental na psicoterapia de indivíduos severamente retraídos. A maior premissa da psicoterapia integrativa é que os seres humanos são relacionais e que precisam dos relacionamentos como um fator de motivação primária. O caminho através do qual experienciamos os relacionamentos é através do contato, tanto externo como interno (Erskine & Trautmann, 1996). Estando ciente do contato e de suas deficiências, as fixações e retraimento que fazem parte da condição esquizóide da pessoa e o relacionamento psicoterapêutico podem ser analisados. O que foi engolido por uma história de desesperança, desorganização e ameaça de desintegração do self pode ser cuidadosamente descoberta e compreendida sob a luz das experiências atuais. Trabalhando no limite do self escondido – mas um self que é instigado a participar do mundo – o dilema do indivíduo esquizóide é revelado: permanecer aquém da superfície do mundo. Como o indivíduo, junto com o apoio e encorajamento do psicoterapeuta, consegue se mover de uma posição esquiva para uma de contato com os outros é o foco principal do trabalho psicoterapêutico. O processo de questionamento ajudará a pessoa a reconhecer: (1) a existência do retraimento; (2) o significado da interrupção do contato por causa do retraimento; (3) o uso do retraimento como estratégia de sobrevivência; e (4) o self vulnerável, escondido e afastado do contato.
O espaço encapsulado do retraimento e a perda dos vínculos devido a ele, precisa ser compreendido como uma tentativa de resolver conflitos internos e externos vivenciados no passado.
Marie caminhou silenciosamente em meu consultório e se sentou no sofá. Ela se recolheu em direção daquele espaço vazio e particular; ela se tornou mais distante. Várias vezes eu me sentei com ela, normalmente em silêncio, respeitando seu retraimento. Libertada do medo advindo do retraimento e de sua intensa solidão, ela se reconecta.
O envolvimento é descrito como o desejo do psicoterapeuta de ser afetado pelo cliente, uma resposta afetiva recíproca vinda do psicoterapeuta, uma sensibilidade para com o nível de desenvolvimento do cliente, um comprometimento com o bem estar do cliente e uma relação psicoterapêutica apropriada (Erskine, 1993; Erskine, Moursund & Trautmann, 1999). Na psicoterapia com indivíduos severamente retraídos, o psicoterapeuta deve ter a capacidade e vontade para estabelecer uma parceria com o cliente e manter o compromisso com a relação entre ambos. Em relação ao retraimento esquizóide, o envolvimento como método terapêutico pretende: (1) reconhecer a existência do retraimento: "Você tem esse retraimento..."; (2) validar a importância do retraimento: "existem motivos importantes para o retraimento"; (3) normalizar o retraimento: "essa é a maneira que você encontrou para sobreviver"; e (4) uso de respostas empáticas do psicoterapeuta: "Estou com você".
Envolvimento encoraja o conhecimento dos processos internos do cliente e do relacionamento com o psicoterapeuta. Isso é fundamental com os esquizóides, pois o encapsulamento das reações acontecem quando "quando a atenção é desviada do mundo real...em favor de um mundo interno controlado o qual se encontra sob domínio da pessoa" (Tustin, 1986,p.25). Sair do mundo intrapsíquico em direção ao domínio das relações interpessoais permite ao cliente ser escutado, visto e compreendido pelo outro (o psicoterapeuta) e traz para consciência o "buraco vazio", ou "concha" da desconectividade. Encontrar pontos de contato e compartilhar o espaço psicoterapêutico impulsiona o cliente a se mover para fora da proteção congelada e autística. Um cliente me relatou que nunca havia deixado ninguém saber a respeito de seu lugar escondido; ele estava com medo de que, se o fizesse seria taxado de louco e internado como fora sua irmã.
Como os clientes começam a lidar com suas defesas, eles poderão, algumas vezes, retornar para seu estado encapsulado. Em tais situações, o envolvimento do psicoterapeuta é fundamental para a organização da experiência interna. Essa proximidade foi descrita por Little (1981) como "unidade básica" ou "total indiferenciação"(p.109). Não existe uma percepção clara do self ou do outro, nenhuma distinção entre estímulo interno e externo (Pine, 1985). Em tais casos, existe uma união entre cliente e terapeuta que "beira a completude". (Kahn, 1974, p.149). Nessa completude o psicoterapeuta precise "estar presente, vivo, alerta, corporificado e vital" (p.157), mas sem desqualificar a experiência do cliente.
Se o terapeuta é eficaz, um estado mágico é criado no qual existe uma ilusão de união contínua através da relação. Tal união permite ao cliente expandir seu self a partir da interação com o psicoterapeuta que faz parte do ambiente. O retorno ao estado indiferenciado fornece a oportunidade aos clientes de encontrarem sua essência psíquica e reparar aquilo que Balint (1968) chamou de "falta básica" (p.21). Uma mulher descreveu sua experiência de união com seu psicoterapeuta como flutuar em um oceano – ela não possuía limites, nem começo, nem fim. Desde lugar ele relatou que poderia começar a entrar em contato com ela mesma.
Na relação psicoterapêutica, o profissional compartilha a experiência vínculos afetivos necessários na união e para a expansão dos estados do ego. Como o psicoterapeuta está ativamente envolvido no processo, ele convida o cliente a estabelecer uma relação através de um monitoramento das experiências e do significado dado pela pessoa para o contato com o profissional. Para os indivíduos que se isolaram através de um intenso retraimento, próprio da condição esquizóide, a relação terapêutica pode funcionar como um lugar " em que o outro é calmo, harmonioso e coerente... [onde] os 'fios' se entrelaçam na união ( Ogden, 1990, p.212). O que nós psicoterapeutas percebemos das reações de nossos clientes e nossas respostas e essas reações são importantes para o desenvolvimento e preservação da relação psicoterapêutica. No trabalho com clientes regredidos, sensações corporais e movimentos são monitorados. O psicoterapeuta reponde com palavras, gestos e até mesmo com contato físico em resposta de sons e movimentos do cliente. Como escreveram Brazelton e Barnard (1990) " a experiência humana se dá nas formas atuais de contato físico" (p.57). Dizer ao cliente que eu escuto um choro silencioso ou vejo uma lágrima escorrendo pela sua face geralmente é suficiente para a pessoa saber que estou junto com ela. Um toque com a ponta dos dedos, como foi feito com Marie, permite o contato. Concentrando-se em sons e movimentos também encoraja a atividade que estava estagnada.
Este estado regredido, base para a união como descrito por Balint, Little, Ogden, Pine e Tustin, ilustra o papel essencial do psicoterapeuta em estar com um cliente que retornou de seu self escondido. A regressão-da-relação permite que o cliente esteja dentro da experiência e, ao mesmo tempo, ter uma pessoa que está próxima, mas não é intrusiva. Psicoterapeutas precisam ser respeitosos e sensíveis para com as necessidades, desejos e fantasias que são despertadas nesse estado regredido e aceitar os intensos afetos esmagadores ou retraídos que surgem ao longo do tratamento.
Havia momentos na sessão em que Marie não dizia uma palavra. Até seu corpo parecia sem vida. Outras vezes ela deixava a sessão raivosa ou em pânico. Ela disse enxergar "dentro de mim" para ver como eu reagia quando ela se sentia sem esperança, com raiva ou com medo. Frequentemente ela expressava como meu interesse era importante porque ajudava-a a apoiá-la em seus momentos mais sombrios. Minha aceitação por ela, onde ela estivesse, foi também importante para nosso vínculo.
O relacionamento com uma pessoa regredida, retraída, requer muita paciência, tato e habilidade (Tustin, 1986). Em seu trabalho, Areiti (1974) escreveu que psicoterapeuta deve ter perseverança ao se relacionar com esses indivíduos. Devido à regressão, o psicoterapeuta deve estar sintonizado com os momentos em que o cliente está saindo de seu isolamento. Através do campo interacional, o psicoterapeuta pode monitorar a experiência pessoal de seus clientes assim como o significado e afeto delas presentes em seus relatos. O contato com o cliente é iniciado através de forma calma e interessada. No espaço compartilhado entre cliente e psicoterapeuta, iniciativa e questionamento devem ser minimizados de maneira que o aparecimento do estado Criança retraído seja encorajado.
Enquanto o cliente se move através da agonia psíquica advinda da perda, da desolação e da dor física da regressão, o psicoterapeuta vai assumindo uma atitude mais ativa em suportar os sentimentos de desespero. O psicoterapeuta deve saber lidar com as reações contratransferenciais e os intensos afetos provenientes delas. A regressão leva o psicoterapeuta e o cliente para "áreas onde a ansiedades psicóticas predominam [e precisam ser] exploradas, experiências antigas descobertas, e idéias ilusórias reconhecidas e resolvidas" (Little,1990,p.83). ( Little usa o termo Britânico "ansiedades psicóticas" para se refere à tentativa da criança lidar com uma situação caótica e sem saída que sobrecarrega as percepções sensoriais. As experiências de regressão permitem a pessoa dar significado para aquilo que não era alcançável nos encontros atuais com o outro que era desconhecido mas que dava significado para esses eventos. A experiência de regressão e de relacionamento são desejadas e temidas para o cliente. Contudo, trabalhando com a regressão como uma regressão-em-relação facilita a consciência e expansão do sentimento de ser da pessoa. Uma vez estabelecido como um sistema de proximidade, a pessoa começa lentamente a se abrir para o mundo externo.
Sintonia. O método de sintonia permite o desenvolvimento de um núcleo de um self, oferecendo a sensibilidade necessária para o estabelecimento de uma unidade básica auto-suficiente. Erskine e Trautmann (1996) definiram sintonia como "um processo de duas partes: começa com a empatia – que é ser sensível e se identificar com as sensações, necessidades e sentimentos da pessoa – e a comunicação disso que é percebido para a pessoa...é um processo de comunhão e união através do contato interpessoal" (p.320). A sintonia também é divida por graus de ressonância e reciprocidade requeridas para o contato-em –relação. Com o uso da sintonia o relacionamento psicoterapêutico é fortalecido fazendo o papel de uma espécie de guia interno para o questionamento e significados que são dados para as experiências do cliente. Sintonia cognitiva, afetiva, corporal e coerente com o nível de desenvolvimento são as categorias mais importantes que o psicoterapeuta usa dentro da relação terapêutica para fortalecer o contato. (Erskine, Moursund & Trautmann, 1999).
Outra maneira de ver a sintonia é perceber as rupturas internas para o contato em quatro níveis: existência, importância, resolução e o self. Nesse sentido, eu identifiquei quatro componentes no processo de sintonia: ressonância afetiva, interesse, reciprocidade e abertura e compartilhamento.
Afeto mútuo é a habilidade de sintonizar fisicamente. O desenvolvimento do self foi descrito por Wnnicott (1988) se movendo da fusão da criança com seu meio em direção de um eu-corporal como unidade dependente de cuidados físicos e finalmente até o "despertar da consciência" e reconhecimento do outro e o gradual desenvolvimento da socialização(p.8) Afeto mútuo permite que os sons e movimentos sejam percebidos e tomados pelo psicoterapeuta. "Eu escuto você" e "eu vejo você" – se revelados verbalmente ou não – é uma forma de reconhecer a existência do cliente e reforça o corpo do ego da pessoa. Assim como a mãe serve como espelho durante a primeira infância, o psicoterapeuta reflete as experiências do cliente e, deste modo, o contato entre cliente e psicoterapeuta se torna um padrão de relacionamento. Momentos de calma (Pine, 1985) ou "quietude centrada" (Little, 1981, p.125) também facilitam o senso de identidade corporal. Em psicoterapia, a energização do self se dá pela presença física do psicoterapeuta e com palavras como: " Eu estou aqui com você. Você está aqui comigo. Eu me dou conta de você aqui nesse espaço criado entre nós. Você me afeta". Para a pessoa que está retraída e perdida de seu self e dos outros, esse é o início de um longo processo através do qual o self começa a se desdobrar.
Interesse e atenção no aqui-agora e nas circunstâncias imediatas, envolve a preocupação e consideração que o psicoterapeuta tem com o contato de padrões e respostas, ao encontrara essência do cliente. O psicoterapeuta precisa estar atento de tal forma que as respostas da pessoa sejam instantâneas, o que Guntrip chamou de "parentesco imediato" (p.312). Sem isso o cliente pode se retrair novamente. A atenção do psicoterapeuta para os padrões de desconexão e tentativas de conexão dão informações de quando o contato pode ser iniciado. O psicoterapeuta deve dar atenção aos símbolos concretos usados pelo cliente de forma que as experiências subjetivas arcaicas possam ganhar significado e compreensão. O psicoterapeuta questiona usando o mundo simbólico do cliente e valoriza sua simbologia no contexto da relação cliente-psicoterapeuta e transforma esses símbolos em pensamento abstrato. Com a condução do psicoterapeuta, o cliente se torna o sujeito que interpreta (Ogden, 1990) que também produz seus próprios pensamentos e interpreta seus próprios símbolos. Isso fornece a experiência cognitiva necessária para o distanciamento da fantasia e imaginação em direção ao mundo real.
Mutualidade é outro importante componente na hora de contatar o self escondido. Khan (1989) descreveu "como o processo clínico gradualmente envolve duas pessoas em uma relação mútua e, se as coisas derem certo, com o tempo permite a elas, ao lado umas das outras, em estado de graça, despertarem seu self escondido"(p.9). Mutualidade foca o campo intersubjetivo que representa a sensação de duas pessoas trabalhando juntas em uma relação compartilhada e recíproca. Como a mãe que ensina seu pequeno filho a equilibrar afetos intensos estando ao lado dele, o psicoterapeuta absorve (via contratransferência) e aceita o afeto através do envolvimento com a experiência do cliente. Deste modo a organização do self do cliente aparece devido ao apoio e ajuda de alguém que responde aos desejos, necessidades e sentimentos dentro de um contexto de eventos compartilhados. Tanto o cliente quanto o terapeuta são beneficiados com essa relação mútua.
Explorando o modo com o cliente normalmente tenta satisfazer suas necessidades, o mecanismo de defesa estabelecido com objetos primários é revelado. O interesse e a consideração das necessidades, desejos e fantasias do cliente comunicam ao psicoterapeuta o comprometimento e responsabilidade para com seu bem estar e aumenta a consciência de seus processos internos. Atenção a rupturas no relacionamento e com falhas terapêuticas mostram ao psicoterapeuta uma diretriz sobre onde e como se conectar com o cliente. Rupturas no contato também fornecem ao cliente informação de como, quando e sob quais circunstâncias ele perde o contato.
Abertura e compartilhamento também são importantes elementos no processo de sintonia. Não basta o cliente se abrir para o processo, o psicoterapeuta deve ser uma parte ativa do relacionamento, sensível e afetuoso, vulnerável e aberto. A abertura é facilitada se existir capacidade e limitação e também percepção crítica. A participação do psicoterapeuta em supervisões permite o monitoramento do curso do tratamento e apóia um resultado de crescimento tanto para o cliente como para o psicoterapeuta.
Conclusão
Ainda não compreendemos todos os fatores envolvidos na cura psíquica ou do fracasso psicoterapêutico. Contudo, fatores específicos podem ser identificados que nos ajudam como psicoterapeutas a ajudar clientes em seu crescimento e desenvolvimento. Uma variável que é bem documentada na literatura clínica é que uma relação estreita e consistente com o outro permite uma organização da experiência que facilita e emergência do self parra o cliente. O caos "da descontinuidade do ser" (Winnicott, 1988, p. 135) diminui através da experiência de continuidade fornecida pela relação cuidadosa e responsiva do outro.
Um de meus clientes, um artista, trouxe uma de suas esculturas para sessão. Do lado de fora onde três peças de barro que pareciam pele de rinoceronte que ele descrevia com sendo uma barreira protetora. Quando ele removeu a proteção externa ele segurou um coração em sua mão – seu coração partido – o qual ele havia descoberto na relação psicoterapêutica. Lidando na terapia com seu isolamento, retraimento, dissociação e estágios fixados de desenvolvimento permitiram a ele reclamar por si. Isso ilustra como trabalhar com uma identidade dissociada, junto com partes do mecanismo esquizóide não é diferente de trabalhar com distúrbios dissociativos; ambos requerem a integração de experiências fragmentadas e reclusas.
A praça fortificada, descrita por alguns clientes como um abrigo ou fortaleza é um mecanismo de adaptação, um compromisso entre isolamento e comprometimento com relacionamentos. Sair dessa praça fortificada significa desistir de um estilo de vida e requer imenso apoio e encorajamento. Na psicoterapia, o relacionamento entre cliente e psicoterapeuta facilita essas experiências enquanto o cliente descobre que "este é quem eu sou, como eu me sinto, no que acredito e o que eu faço; este é meu passado e de onde eu vim; e isto é o que eu preciso fazer agora para ser responsável por mim e pelos outros" Com clientes gravemente retraídos, regressão-no-relacionamento permite um ambiente seguro no qual cliente e psicoterapeuta trabalham e vivem de maneira segura, enquanto o cliente atravessa experiências necessárias para a formação de um senso se self coeso. Como escreveu um cliente: "em meu retraimento eu posso sentir você [o psicoterapeuta] e eu não me sinto tão sozinho; eu vejo e compreendo este lugar que eu criei há muito tempo atrás. Eu não estou com medo desse lugar ou de você como eu costumava estar. Estou começando a sair aos poucos. Um lugar para eu estar com você está nascendo".
"O renascimento e retomada do crescimento do coração perdido da personalidade…é a grande questão"(Guntrip, 1968/1995,p.12). Como psicoterapeutas nos é confiado o coração da essência esquizóide do cliente, a parte a parte que se agarrou em um fio de esperança, não importa o quão fino, de que a vida pode ser diferente. Devemos isso a todos aqueles que tocam nossos corações e almas no momento em que realizamos o processo psicoterapêutico, usando nossa sensibilidade, inteligência e consciência enquanto convidamos selves escondidos e encapsulados a juntar-se a nós no mundo real.
Marye O' Reilly-Knapp, D.N.Sc., é Analista Transacional certificada, atende em clínica privada e codiretora do Phoenix Centers em Devon Pennsylvania. Ela também é professora ajunta pela Widener University em Chester, Pensylvania e associada do Instituto de Psicoterapia Integrativa em Nova Iorque. Por favor, envie solicitações para ela no endereço: 905 Newton Rd., Devon, PA 19333, USA.
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Agradecimentos especiais a Richard G. Erskine, Ph.D., por suas palestras e discussões sobre o processo esquizóide, ao Professional Development Seminar em Kent por seu apoio e a Robin Fryer pelo trabalho editorial.
Este artigo foi publicado originalmente no Transactional Analysis Journal, Vol.31, Nº 1, pp.44-54. Reimpresso.