Artigos de Psicoterapia Integrativa
MÉTODOS DE UMA PSICOTERAPIA INTEGRATIVA
Richard G. Erskine e Rebecca L. Trautmann
Resumo
O conceito de um relacionamento terapêutico interpessoal com contato é a premissa central na prática da psicoterapia integrativa. O questionamento, a sintonia (harmonização) e o envolvimento constituem os métodos de uma psicoterapia baseada no relacionamento e orientada ao contato. Oito necessidades relacionais são definidas, e respostas psicoterapêuticas recíprocas são descritas. A base teórica de uma psicoterapia integrativa inclui os conceitos de estados de ego, transferência, o sistema de script, o contato e as interrupções do contato e a importância dos relacionamentos interpessoais.
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A palavra “integrativa” como utilizada na nossa abordagem da psicoterapia integrativa tem diversos significados. Primariamente refere-se ao processo de integrar a personalidade, que inclui: a) ajudar os clientes a tomarem consciência dos conteúdos fragmentados e fixados dos seus estados de ego assimilando-os num ego neopsíquico integrado, b) desenvolver um sentido de si mesmo (self) que reduza a necessidade de mecanismos de defesa e de um script de vida, e c) voltar a envolver-se com o mundo e os relacionamentos com contato pleno. É o processo de tornar inteiro: tomando aspectos não resolvidos, inconscientes e despossuídos do ego, fazendo deles parte de um self coeso (Erskine & Trautmann, 1993).
“Integrativa” também se refere à integração da teoria - reunindo a abordagem afetiva, cognitiva, comportamental, fisiológica e sistêmica da psicoterapia. Um foco central de uma psicoterapia integrativa é avaliar se cada um destes domínios - afetivo, comportamental, cognitivo e fisiológico – está aberto ou fechado para o contato (internamente e externamente), aplicando então métodos que facilitem este contato (Erskine, 1975, 1980, 1982a). O conceito de contato interno e externo é utilizado numa perspectiva de desenvolvimento humano na qual cada fase de vida apresenta tarefas específicas de desenvolvimento, sensibilidades únicas em relação a outras pessoas e oportunidades para novos aprendizados. O termo psicoterapia integrativa, como utilizado neste artigo, inclui ambos os significados.
A psicoterapia integrativa leva em consideração várias perspectivas do funcionamento humano: psicodinâmica, centrada no cliente, comportamental, terapia familiar, terapia da Gestalt, psicoterapia corporal de influência Reichiana, teoria das relações de objeto, e a psicologia psicanalítica do self, além da análise transacional, a qual forma o corpo principal da nossa teoria e método. Cada uma fornece uma explicação válida da função psicológica e do comportamento, e é ampliada quando integrada seletivamente com as outras (Erskine & Moursund, 1988).
CONTATO E RELACIONAMENTOS
Uma premissa principal da psicoterapia integrativa é que a necessidade de relacionamento constitui uma experiência motivadora primária do comportamento humano, e o contato é o meio pelo qual esta necessidade é satisfeita. Enfatizamos particularmente a importância do contato ao usar as modalidades terapêuticas mencionadas acima. O contato ocorre interna e externamente: envolve a plena consciência de sensações, sentimentos, necessidades, atividade sensório-motora, pensamentos e memórias que ocorrem dentro do indivíduo, e uma mudança para a plena consciência dos eventos externos registrados por cada um dos órgãos sensoriais. Quando há contato interno e externo, as experiências são continuamente integradas. Por outro lado, quando o contato é interrompido, as necessidades não são satisfeitas. Se a experiência da necessidade emergente não é satisfeita ou não é fechada naturalmente, procurará encontrar um fechamento artificial cuja função é tirar a atenção do desconforto resultante da necessidade não satisfeita. Estes fechamentos artificiais são a matéria prima das reações de sobrevivência e decisões de script que podem eventualmente se tornarem fixadas. São evidentes no repúdio do afeto, nos padrões de comportamentos repetitivos, nas inibições neurológicas no corpo e nas crenças que limitam a espontaneidade e a flexibilidade para resolver problemas e no relacionamento com outras pessoas. Cada interrupção defensiva ao contato bloqueia a consciência (Erskine, 1980; Erskine & Trautmann, 1993).
O contato também se refere à qualidade das transações entre duas pessoas: a consciência tanto do próprio self (si mesmo), quanto a do outro, um encontro sensível com o outro, e um reconhecimento autêntico de si mesmo.
A psicoterapia integrativa correlaciona construtos de várias escolas teóricas. Para que uma teoria seja integrativa e não meramente eclética, deve filtrar aqueles conceitos e idéias que não tem consistência teórica, formando um núcleo coeso de construtos que informam e guiam o processo psicoterapêutico. Uma revisão da literatura da psicologia e psicoterapia revela que o conceito singular mais consistente é o do relacionamento (Erskine, 1989). Dos primórdios de uma teoria de contato por Laura e Frederick Perls (Perls, 1944; Perls, Hefferline & Goodman, 1951), ao enfoque de Rogers (1951) na teoria centrada no cliente, à premissa de Fairbairn (1952) de que as pessoas buscam o relacionamento desde o início e através da vida, à ênfase de Sullivan (1953) no contato interpessoal, às teorias do relacionamento de Winnicot (1965) e Guntrip (1971) e suas aplicações clínicas correspondentes, às teorias de estados de ego e script de Berne (1961, 1972), à aplicação de Kohut (1971, 1977) e seus seguidores do “questionamento empático sustentado” (Storolow, Brandchaft & Atwood, 1987, p.10), às teorias do relacionamento desenvolvidas pelo Stone Center (Bergman, 1991; Miller, 1986; Surrey, 1985), à filosofia de um relacionamento Eu - Você de Buber (1923/1958), houve uma sucessão de professores, escritores e terapeutas enfatizando que os relacionamentos, tanto nas fases iniciais da vida quanto na vida adulta, são a fonte daquilo que traz sentido e validação ao self.
A literatura sobre o desenvolvimento humano também conduz à compreensão de que o sentido de si mesmo (self) e a auto-estima surgem do contato-no-relacionamento. A partir de uma base teórica de contato-no-relacionamento associada ao conceito berniano (1961) de estados de ego (particularmente estados de ego Criança fixados) (Erskine, 1987, 1988, Trautmann & Erskine, 1981), surge naturalmente um enfoque no desenvolvimento infantil. Os trabalhos de Stern (1985, 1995) e Bowlby (1969, 1973, 1980) são no momento fundamentais na formação de uma perspectiva integrativa, principalmente pela sua ênfase no vínculo precoce e na necessidade natural e vitalícia de relacionamento. Bowlby enfatizou o significado do vínculo físico precoce e prolongado na formação de um núcleo visceral a partir do qual emergem todas as experiências do self (si mesmo) e do outro. Quando este contato não ocorre de acordo com as necessidades relacionais da criança, há uma defesa psicológica contra a perda de contato (Fraiberg, 1982).
A psicoterapia integrativa faz uso de várias perspectivas sobre o funcionamento humano, mas sempre a partir do ponto de vista de que o relacionamento cliente-terapeuta é fundamental. Os conceitos do contato-no-relacionamento, estados de ego e função intra-psíquica, transferência e transações, necessidades relacionais e reciprocidade afetiva e o processo de desenvolvimento e script de vida são centrais na nossa teoria integrativa. O self do psicoterapeuta é utilizado de forma direcionada para auxiliar o cliente no processo de desenvolver e integrar o contato e satisfazer necessidades relacionais (Erskine, 1982a). Significado central é atribuído ao processo denominado sintonia, o qual inclui não apenas um enfoque em pensamentos, sentimentos, comportamentos ou sensações físicas isoladas, mas também o que Stern (1985) definiu como “afetos de vitalidade” (p.156). Buscamos criar uma experiência ininterrupta de sentirconectado. O sentido de si mesmo (self) e de relação que se desenvolve parece ser fundamental no processo de integração e inteireza, particularmente quando houve traumas fragmentadores do ego na vida do cliente e quando aspectos do self foram repudiados ou negados devido às constantes rupturas do contato-no-relacionamento (Erskine, 1991a, 1993, 1994).
A premissa central subjacente à prática da psicoterapia integrativa é a de que a integração pode ocorrer através de várias modalidades - afetiva, comportamental, cognitiva e fisiológica (Erskine, 1975, 1980) - mas de forma mais efetiva quando existe um relacionamento terapêutico interpessoal com contato (Erskine, 1982a). O questionamento, a sintonia e o envolvimento são um conjunto de métodos facilitadores do contato, orientados ao relacionamento. Publicações prévias definiram e descreveram os métodos do questionamento, da sintonia e do envolvimento (Erskine & Trautmann, 1993), aplicaram os métodos no tratamento da dissociação (Erskine, 1991a, 1993), da vergonha e auto-justificação (Erskine, 1994) e demonstraram esta aplicação através de transcrições reais de terapia (Erskine, 1982b, 1991b; Erskine & Moursund, 1988). O que se segue é um esboço de alguns dos métodos que favorecem o contato-no-relacionamento.
QUESTIONAMENTO
O questionamento parte do pressuposto de que o terapeuta desconhece a experiência do cliente, tendo portanto que continuamente buscar entender o sentido subjetivo do seu comportamento e processo intrapsíquico. O processo do questionamento inclui a abertura do terapeuta para descobrir a perspectiva do cliente ao mesmo tempo em que este descobre seu próprio sentido de si mesmo (self) com cada uma das afirmativas ou perguntas feitas pelo terapeuta, que ampliam a consciência. Através da pesquisa respeitosa da experiência fenomenológica do cliente, este se torna cada vez mais consciente das suas necessidades relacionais presentes e arcaicas, dos seus sentimentos e dos seus comportamentos. O afeto, os pensamentos, as fantasias, as crenças de script, os movimentos e tensões corporais, as esperanças e as lembranças há muito mantidas distantes da consciência pela falta de diálogo ou pela repressão podem, então, se tornarem conscientes. Com maior consciência e a inativação das defesas internas, as necessidades e sentimentos que podem ter sido fixadas e deixadas sem resolução devido a experiências passadas são integradas em um self (si mesmo) capaz de maior contato.
Deve ser enfatizado que o processo de questionamento é tão, se não mais importante do que o conteúdo. O questionamento do terapeuta deve ser empático com a experiência subjetiva do cliente para ser eficaz em descobrir e revelar os fenômenos internos e em expor as interrupções internas e externas ao contato.
Este tipo de questionamento requer um interesse genuíno pelas experiências subjetivas do cliente e pela sua construção de significados. O terapeuta segue adiante com perguntas sobre o que o cliente está sentindo, como ele ou ela vivencia a si mesmo(a) e os outros (incluindo o psicoterapeuta), e que significados e conclusões são elaborados. Nossa experiência mostra que, com o questionamento sensível, os clientes irão revelar fantasias até então reprimidas, bem como a sua dinâmica intra-psíquica não consciente. Isso traz, tanto para o cliente quanto para o terapeuta, uma compreensão cada vez maior de quem é o cliente, quais são suas experiências passadas e quando e como ele ou ela interrompe o contato.
O questionamento terapêutico sobre os medos, antecipações e expectativas do cliente muitas vezes revela a transposição de experiências históricas, defesas arcaicas e danos relacionais passados para a vida atual, incluindo a relação terapêutica. Nesta perspectiva integrativa, a transferência pode ser entendida como:
1. as formas pelas quais o cliente pode descrever seu passado, suas necessidades do desenvolvimento que foram frustradas e as defesas que foram criadas como compensação;
2. a resistência a lembrar e, paradoxalmente, uma reencenação não consciente das experiências da infância (o relacionamento repetido);
3. a expressão de um conflito intrapsíquico e o desejo de obter a satisfação de necessidades relacionais e intimidade nos relacionamentos; ou
4. a expressão da luta psicológica universal para organizar a experiência e criar significado.
Esta visão integrativa da transferência estabelece a base para um honrar contínuo da comunicação inerente na transferência do relacionamento repetido e do relacionamento necessário (Stern, 1994), além do reconhecimento e do respeito pelo fato de que as transações podem ser não-transferenciais, podendo se referir somente ao relacionamento aqui-e-agora entre o terapeuta e o cliente (Erskine, 1991c).
O questionamento pode incluir uma investigação dos conflitos intrapsíquicos e da reencenação não consciente das experiências infantis, continuando com perguntas históricas sobre quando ocorreu determinada experiência, bem como a natureza dos relacionamentos significativos na vida da pessoa. Através do questionamento exploramos as crenças de script do cliente e comportamentos relacionados, suas fantasias e suas experiências de reforço (Erskine & Zalcman, 1979). Concordante com o bem estar do cliente, integramos exercícios da terapia da Gestalt, contratos de mudança comportamental, psicoterapia corporal, psicoterapia intensiva do estado de ego Pai ou regressão a fases do desenvolvimento (Erskine & Moursund, 1988). Através da combinação destas técnicas de ampliação da consciência e pelo nosso questionamento respeitoso, as experiências, que no passado foram necessariamente excluídas da consciência, podem mais uma vez ser lembradas no contexto de um relacionamento terapêutico com envolvimento. À medida que as memórias, as fantasias ou sonhos tornam-se conscientes, o questionamento do terapeuta pode se voltar à experiência fenomenológica do cliente ou ir adiante e focar as estratégias do cliente para lidar com situações, isto é, a uma investigação sobre as interrupções defensivas internas e externas ao contato.
Na medida em que investigamos os processos defensivos, fazemos uso das interrupções externas observáveis ao contato como sendo representativas das interrupções internas ao contato. Interrupções defensivas ao contato fixadas arcaicamente - por exemplo, as introjeções e as crenças de script - interferem com a satisfação das necessidades relacionais do agora e emergem no relacionamento terapêutico.
Ser vulnerável é estar altamente ciente das necessidades relacionais e estar aberto, sem defesas, às respostas do outro àquelas necessidades. O questionamento sobre vulnerabilidades tanto fora quanto dentro da relação terapêutica traz à tona necessidades relacionais bem como os efeitos no cliente da satisfação e da não satisfação destas necessidades. O foco do diálogo terapêutico poderá então se alternar entre os níveis fenomenológico, transferencial ou defensivo da experiência. O processo do questionamento não é linear, movendo-se em sintonia com a sempre crescente consciência interna e a percepção do (self) si-mesmo-no-relacionamento.
A meta do questionamento terapêutico é que o cliente e o terapeuta juntos descubram as funções dos processos intrapsíquicos, separando-as das defesas dinâmicas. Cada dinâmica defensiva tem funções intrapsíquicas únicas de identidade, estabilidade, continuidade e integridade que requerem ênfase específica na psicoterapia. A nossa tese é de que a sintonia e o envolvimento permitem com que o cliente eficazmente transfira estas funções intrapsíquicas para o relacionamento com o terapeuta. Na parte que se segue, iremos nos referir à classificação mostrada na Figura 1.
É fundamental que o terapeuta entenda a necessidade singular que cada cliente tem de uma outra pessoa estabilizadora, validante e reparadora, disposta a assumir algumas das funções relacionais com as quais o cliente está tentando lidar sozinho. Uma terapia de relacionamento orientada ao contato requer que o terapeuta esteja em sintonia com estas necessidades relacionais, e que esteja envolvido através da validação empática de sentimentos e necessidades, além de fornecer segurança e apoio.
Um questionamento cuidadoso sobre a experiência fenomenológica do cliente amplia o sentido de si mesmo (self) facilitando a percepção da existência de sentimentos, fantasias, sensações internas e processos de pensamento, bem como as interrupções ao contato. Um questionamento paciente e não humilhante da dinâmica transferencial do cliente revela o significado das interrupções internas e externas ao contato, a forma como a pessoa organiza a experiência, e a importância tanto do relacionamento repetitivo quanto do relacionamento necessário terapeuticamente. O relacionamento necessário é o pedido que o cliente faz de um envolvimento recíproco por um outro essencial que pode responder às necessidades relacionais. Um questionamento respeitoso sobre o processo defensivo do cliente - sua forma de lidar com algo - revela a integridade e o estilo único do cliente em resolver rupturas no relacionamento. Este nível de questionamento também traz à consciência do cliente outras vias para lidar com rupturas de relacionamento bem como novas possibilidades para resolver conflitos interpessoais. Um questionamento sensível acerca das vulnerabilidades do cliente e sua combinação única de necessidades relacionais aumentam seu valor de si mesmo (self) (ver Figura 1). Na presença de um terapeuta sintonizado, envolvido e auto-consciente que pode responder a estas necessidades relacionais, o cliente sentirá um sentido de si mesmo (self) e si-mesmo-no-relacionamento mais forte e claro. O bem estar psicológico é ampliado através do contato pleno interpessoal e intrapsíquico.
SINTONIA (HARMONIZAÇÃO)
A sintonia é um processo de duas partes: começa com a empatia, ou seja, estando sensível ás sensações, necessidades ou sentimentos da outra pessoa, identificando-se com elas, e a comunicação desta sensibilidade para a outra pessoa. Mais do que compreensão ou introspecção vicariante, a sintonia é uma percepção sinestésica e emocional do outro - conhecendo seu ritmo, afeto e experiência por metaforicamente estar dentro da sua pele, com isso indo além da empatia para fornecer uma resposta ressonante e/ou de afeto recíproco.
A sintonia é mais do que a empatia: é um processo de comunhão e unidade do contato interpessoal. A sintonia efetiva também requer do terapeuta permanecer simultaneamente consciente da fronteira entre si e o cliente e dos seus próprios processos internos. A sintonia é facilitada pela capacidade do terapeuta de antecipar e observar o efeito do seu comportamento sobre o cliente, descentralizando-se da sua própria experiência para poder focalizar inteiramente o processo do cliente.
Comunicar a sintonia valida as necessidades e sentimentos do cliente, estabelecendo a base para reparar as falhas de relacionamentos anteriores. A sintonia é comunicada não somente pelo que o terapeuta diz, mas também por movimentos faciais ou corporais que sinalizam para o cliente que seu afeto e suas necessidades são percebidas, são significativas, e causam um impacto no terapeuta.
Muitas vezes a sintonia é vivenciada pelo cliente como o terapeuta se movendo suavemente através de defesas que têm impedido a consciência de falhas no relacionamento e as necessidades e sentimentos resultantes disso. A sintonia facilita o contato com partes há muito esquecidas dos estados de ego Criança. Com o tempo, isso resulta em uma redução das interrupções internas do contato e a correspondente dissolução das defesas externas. As necessidades e sentimentos podem ser gradualmente expressas com conforto e a garantia de que receberão uma resposta cuidadosa e empática. Freqüentemente o processo de sintonia traz um senso de segurança e estabilidade que permite ao cliente começar a se lembrar e a tolerar a regressão a experiências da infância, que pode resultar numa consciência mais plena da dor de traumas passados, antigas falhas no(s) relacionamento(s), e perdas de aspectos do si mesmo (self). O processo da sintonia pode ser categorizado de acordo com a ressonância e a reciprocidade exigidas para o contato-no-relacionamento. Esta sintonia pode ser ao ritmo, ao nível de desenvolvimento, à natureza do afeto ou à necessidade relacional.
A sintonia rítmica é o moldar do questionamento terapêutico e do envolvimento num andamento e numa cadência que melhor facilitam o processamento, por parte do cliente, tanto da informação externa, quanto das sensações internas, sentimentos e pensamentos. Na nossa experiência, freqüentemente o processamento mental do afeto ocorre num ritmo diferente daquele do processamento cognitivo. Na presença de afeto intenso, o uso da percepção ou da cognição pode ser mais lento do que quando o afeto é pouco intenso. Por exemplo, os componentes afetivos da vergonha muitas vezes fazem com que o processamento da informação e a organização do comportamento ocorram num ritmo reduzido. A vergonha é um processo complexo, envolvendo o repúdio e a retroflexão da raiva, a tristeza de não ser aceito como se é, o medo da rejeição pelo que se é, e a confluência e complacência com a humilhação interruptora do relacionamento (Erskine, 1994). As reações afetivas, perceptuais, cognitivas, comportamentais e fisiológicas ocorrem em ritmos diferentes em relação ao que ocorreria na ausência da vergonha.
Alguns clientes rapidamente se conscientizam das sensações viscerais e sinestésicas enquanto outros processam estas sensações lentamente. As interrupções internas ao contato ou quaisquer das defesas psicológicas complexas como a dessensitização, o repúdio, a negação ou a dissociação desorganiza o ritmo natural de processamento das sensações físicas, afetos, percepções e pensamentos.
A sintonia afetiva refere-se a uma pessoa perceber o afeto de outra, respondendo com um afeto recíproco. Começa pela valorização do afeto da outra pessoa como sendo uma forma extremamente importante de comunicação humana, estando disponível a ser tocado afetivamente pela outra pessoa, e respondendo com o afeto ressonante.
“O afeto é transacional-relacional em sua natureza, exigindo um afeto correspondente em ressonância” (Erskine, 1994, pg. 99). A ressonância do afeto de uma pessoa ao afeto de outra resulta em contato afetivo, tão essencial aos relacionamentos humanos. Simbolicamente, a sintonia afetiva pode ser visualizada como o yin de uma pessoa ao yang de outra, juntos formando uma unidade. A sintonia afetiva é a ressonância com o afeto do outro, que traz contato interpessoal não verbal - uma unidade no relacionamento. Quando um cliente sente-se triste, o afeto recíproco de compaixão e os atos de compaixão por parte do terapeuta completam o contato interpessoal. Na relação, a raiva requer os afetos recíprocos relacionados à atenção, seriedade e responsabilidade, com possíveis atos de correção. O cliente que está com medo requer que o terapeuta responda com afetos e atos que transmitam segurança e proteção. Quando os clientes expressam alegria, a resposta do terapeuta que transmite a unidade de contato é o afeto recíproco de vitalidade e expressão de prazer.
A sintonia afetiva envolve uma comunicação não verbal do terapeuta que reconhece, valida e normaliza o afeto do cliente. A presença afetiva do terapeuta comunica que o afeto tem uma função importante no relacionamento, com isso valorizando o cliente. A comunicação de uma estima positiva incondicional ou “Você é/está OK para mim”.
Sintonia com o desenvolvimento. A sintonia com o nível do desenvolvimento em que o funcionamento psicológico e a organização de experiências do cliente estão ocorrendo é essencial numa psicoterapia orientada ao contato e centrada no relacionamento. A finalidade deste foco no desenvolvimento é responder ao cliente naquele nível etário onde houve uma falta de contato-no-relacionamento, quando fixações ocorreram no sistema representacional do si mesmo (self), dos outros e da qualidade da vida. As crenças de script e as defesas arcaicas relacionadas representam tentativas de uma pessoa mais jovem de lidar com as situações da vida.
De forma a sintonizar com as necessidades de desenvolvimento do cliente, o terapeuta escuta as palavras e os comportamentos do cliente a cada momento com um “terceiro ouvido” ou observa com um “terceiro olho” para captar o que poderia ser a comunicação de uma criança. O terapeuta começa a desenvolver uma sensibilidade para os estados de ego Criança na medida em que estas são inconscientemente manifestadas nas transações atuais, tendo muitas vezes como base a idade na qual um determinado trauma ocorreu ou quando uma decisão de script ou uma reação de sobrevivência foi feita. Com uma percepção desta criança e suas necessidades, desafios do desenvolvimento, formas de pensamento e organização, vulnerabilidades singulares, e necessidades relacionais, o terapeuta orienta-se na sua forma de indagar, interpretar ou interagir com o cliente.
Como exemplo, para responder a uma cliente que expressava frustração quanto à sua inadequação em encontrar formas de falar sobre seus sentimentos, o terapeuta comentou que aprender a usar a linguagem traz duas experiências diferentes para a criança. De um lado as palavras permitem maior comunicação e compreensão, o que é gratificante e encoraja a proximidade. Por outro lado, na medida em que a criança vivencia a inadequação das palavras para transmitir os sentimentos ou as experiências, há uma sensação maior de separação e, muitas vezes, solidão (Stern, 1985). As lágrimas nos olhos da cliente comunicaram que o terapeuta havia entendido sua frustração relacionada ao desenvolvimento, e pelo menos um dos aspectos significativos da sua antiga dificuldade com seus relacionamentos – aquela experiência não verbalizada de solidão.
A sintonia com o nível de desenvolvimento é mais fácil quando o cliente entra num estado de regressão ou é capaz de descrever suas experiências do estado de ego Criança. Uma experiência mais sutil e às vezes mais potente ocorre quando o terapeuta está sintonizado com as necessidades de desenvolvimento, níveis de funcionamento e experiências infantis do cliente, estando este completamente inconsciente das mesmas. Por exemplo, com um cliente que cresceu tentando ansiosamente agradar seus pais separados e que usava o comportamento de conferir compulsivamente para afastar a ansiedade, parecia importante não dar muita importância aos seus atrasos repetidos até que ele foi capaz de identificar e expressar sua raiva por seus pais. Já ao final da terapia, ele relatou como havia sido importante o terapeuta nunca haver confrontado seus atrasos, tornando sua terapia um local de segurança onde ele podia estar livre das suas compulsões.
Ao estar sintonizado com o nível arcaico do funcionamento de uma pessoa, colocando este nível diretamente no contexto do relacionamento terapêutico, o terapeuta torna possível a integração de formas fixadas de ser e de se relacionar num todo mais dinâmico.
Necessidades relacionais. O processo de sintonia também inclui responder às necessidades relacionais na medida em que estas emergem no relacionamento terapêutico. Necessidades relacionais são as necessidades próprias do contato interpessoal (Erskine, 1995). Não são as necessidades básicas da vida - como o alimento, ar ou temperatura apropriada - mas os elementos essenciais que ampliam a qualidade de vida e o sentido de si mesmo-no-relacionamento (self). As necessidades relacionais são componentes de um desejo humano universal pelo relacionamento íntimo. Embora possa haver um grande número de necessidades relacionais, as oito que descrevemos neste artigo representam aquelas necessidades que nossos clientes descrevem com mais freqüência quando falam sobre relacionamentos significativos. Algumas destas necessidades relacionais também já foram descritas na literatura da psicoterapia como sendo necessidades fixadas da primeira infância, como indicadores de psicopatologia, ou como transferência problemática (Bach,1985; Basch, 1988; Kohut, 1971, 1977; Wolf, 1988); ao mesmo tempo a perspectiva integrativa de Clark (1991) sobre transações empáticas faz uma ponte entre os conceitos da transferência e das necessidades relacionais.
As necessidades relacionais não são apenas as necessidades da infância ou necessidades que emergem numa hierarquia de desenvolvimento; são componentes do relacionamento que estão presentes todos os dias das nossas vidas. Cada uma das oito necessidades relacionais pode se tornar figura, percebidas conscientemente como uma vontade ou desejo, enquanto as outras sete permanecem inconscientes, como fundo. Uma resposta satisfatória de outra pessoa à necessidade relacional de um indivíduo permite com que a necessidade premente possa voltar ao fundo; outra necessidade relacional, então, torna-se figura na forma de um novo interesse ou desejo.
Muitas vezes é na ausência da satisfação da necessidade que o indivíduo se torna mais consciente da presença de necessidades relacionais. Quando estas necessidades não são satisfeitas, tornam-se mais intensas, sendo experimentadas fenomenologicamente como anseio por algo indefinido, vazio, uma solidão persistente ou um impulso intenso freqüentemente acompanhado por nervosismo. A ausência contínua de satisfação de necessidades relacionais pode ser manifestada como frustração, agressão ou raiva. Quando quebras no relacionamento são prolongadas, a falta da satisfação de necessidades se manifesta por uma perda de energia ou de esperança, aparecendo nas crenças de script como “Ninguém está ali para mim” ou “Para que?”. Estas crenças de script são a defesa cognitiva contra a consciência das necessidades e sentimentos que ocorrem quando estas necessidades não recebem uma resposta satisfatória por parte de outra pessoa (Erskine,1980).
A satisfação de necessidades relacionais requer a presença, com contato, de outra pessoa que é sensível e sintonizada com as necessidades relacionais e que também fornece uma resposta recíproca a cada necessidade. As oito principais necessidades relacionais que observamos são as necessidades por:
1. Segurança: a experiência visceral de ter proteção para nossas vulnerabilidades físicas e emocionais. Isso inclui a vivência de que a nossa variedade de necessidades e sentimentos é natural. A segurança é a sensação de simultaneamente estar vulnerável e em sintonia com outra pessoa. Inclui a ausência de intrusão e perigo, tanto real quanto antecipado.
A sintonia envolve a consciência empática da necessidade que o outro tem de segurança no relacionamento aliado a uma resposta recíproca a esta necessidade. A resposta necessária é a provisão de segurança física e afetiva na qual a vulnerabilidade do indivíduo é honrada e preservada. Comunica, muitas vezes de forma não verbal: “Suas necessidades e sentimentos são normais e aceitáveis para mim”. A sintonia terapêutica à necessidade relacional de segurança tem sido descrita por clientes como “aceitação e proteção total”, uma comunicação de “consideração positiva incondicional” ou “Eu estou OK neste relacionamento”. A sintonia à necessidade de segurança envolve o terapeuta estando sensível à importância desta necessidade, conduzindo-se tanto emocional quanto comportamentalmente de forma a prover segurança no relacionamento.
2. Validação, afirmação e importância dentro de um relacionamento: é a necessidade de o outro validar a importância e a função dos nossos processos intrapsíquicos de afeto, fantasia e construção de significado, e que nossas emoções são uma comunicação intrapsíquica e interpessoal significativa. Inclui a necessidade de ter todas as nossas necessidades relacionais afirmadas e aceitas como naturais. A reciprocidade afetiva do terapeuta com os sentimentos do cliente validam seu afeto, trazendo-lhe a afirmação e a normalização das suas necessidades relacionais.
3. Aceitação por uma outra pessoa estável, confiável e protetora: a necessidade de olhar para cima e depender dos pais, dos mais velhos, de professores e mentores. A necessidade relacional de aceitação por uma outra pessoa consistente, confiável, na qual se possa depender é a busca de proteção e orientação, e pode se manifestar como uma idealização do outro. Na psicoterapia, essa idealização é também a busca de proteção contra o efeito intrapsíquico de um estado de ego Pai controlador e humilhador sobre a vulnerabilidade de estados de ego Criança. Também pode ser a busca de proteção da própria escalada de afeto ou exagero de fantasias.
O terapeuta protege e facilita a integração do afeto provendo uma oportunidade para expressar, conter e/ou entender a função de tais dinâmicas. O grau em que a pessoa olha para outra e espera que ele ou ela seja confiável, consistente, na qual se possa depender, é diretamente proporcional à busca de proteção intrapsíquica, expressão segura, contenção ou “insight” benéfico. A idealização ou a dependência de alguém não é necessariamente patológica como sugerido no termo psicológico corriqueiro “codependente”, ou quando interpretado erroneamente como “transferência idealizadora” (Kohut, 1977), ou como no jogo berniano de “Puxa, como você é maravilhoso, professor!” (1964). Quando nos referimos à expressão por parte de alguns clientes desta necessidade de serem aceitos e protegidos classificando-os de “uma Vítima procurando um Salvador”, potencialmente depreciamos ou mesmo tornamos patológica uma necessidade essencial e humana de relacionamento que busca um senso de estabilidade, confiabilidade e possibilidade de depender.
Na psicoterapia, a sintonia envolve, da parte do terapeuta, o reconhecimento, freqüentemente não declarado, da importância e necessidade da idealização como sendo um pedido inconsciente de proteção intrapsíquica. Este envolvimento terapêutico inclui tanto o senso que o cliente tem do interesse do psicoterapeuta no bem estar do cliente, quanto o uso pelo terapeuta do sentido integrado de si mesmo (self) como a ferramenta terapêutica mais efetiva (Erskine, 1982a). Essa necessidade relacional de ser aceito por uma outra pessoa estável, confiável e protetora dá-nos uma razão centrada no cliente para conduzirmos nossas vidas e prática de psicoterapia de forma ética e moral.
4. Confirmação da experiência pessoal: A necessidade de ter a experiência confirmada é manifestada através do desejo de estar na presença de alguém que é semelhante, que compreende porque ele ou ela teve uma experiência similar, e cuja experiência partilhada é confirmadora. A sintonia pelo terapeuta é provida valorizando a necessidade de confirmação e revelando experiências pessoais cuidadosamente selecionadas – de forma atenta (isto é, focalizada no cliente) partilhando vulnerabilidades ou sentimentos e fantasias semelhantes - e estando pessoalmente presente e vital.
Por exemplo, a afirmação da experiência de um cliente pode incluir o terapeuta se associando a ou valorizando as fantasias do cliente. Ao invés de definir o relato interno de histórias como sendo “apenas uma fantasia”, é essencial engajar o cliente na expressão de necessidades, esperanças, conflitos e estratégias de proteção que podem constituir o núcleo das fantasias. A sintonia da necessidade de afirmação da experiência pode ser obtida com o terapeuta aceitando tudo o que é dito pelo cliente, mesmo quando fantasia e realidade estão misturadas, da mesma forma que contar um sonho revela o processo intrapsíquico. Imagens ou símbolos da fantasia têm uma função intrapsíquica e interpessoal significativa. Quando a função da fantasia é reconhecida, apreciada e valorizada, a pessoa sente-se afirmada na sua experiência.
O cliente que necessita de confirmação da experiência pessoal requer uma resposta recíproca específica diferente da resposta recíproca do cliente que necessita de validação do afeto ou do que precisa ser aceito por um outro confiável e protetor. Nestas duas últimas necessidades relacionais partilhar experiências pessoais ou criar uma atmosfera de mutualidade não é uma resposta sintonizada com a necessidade do cliente.
5. Auto-definição: a necessidade relacional de conhecer e expressar a própria singularidade e de receber reconhecimento e aceitação do outro. A auto-definição é a comunicação da identidade própria auto-escolhida através da expressão de preferências, interesses e idéias sem humilhação ou rejeição.
Na ausência de reconhecimento e aceitação satisfatórios, a expressão da auto-definição pode assumir formas adversas inconscientes como na pessoa que começa sua sentença com “Não, ...” mesmo quando concordando, ou que constantemente entra em argumentos ou competição. As pessoas freqüentemente competem para se definir como distintas de outras de forma a manter um senso da sua própria integridade. Quanto mais as pessoas se parecem, maior o impulso da competição auto-definidora.
A sintonia terapêutica ocorre com o apoio consistente do terapeuta à expressão de identidade do cliente e sua normalização da necessidade de auto-definição. Requer a presença consistente, o contato e o respeito do terapeuta mesmo face ao desacordo.
6. A necessidade de causar impacto sobre a outra pessoa: Impacto refere-se a ter uma influência que afeta o outro, de alguma forma desejada. Um sentido individual de competência em um relacionamento emerge da diligência e da eficácia - atraindo a atenção e interesse do outro, influenciando o que talvez seja de interesse da outra pessoa, e efetuando uma mudança de afeto ou comportamento no outro.
A sintonia à necessidade do cliente de fazer um impacto ocorre quando o psicoterapeuta permite a si próprio ser impactado pelo cliente, respondendo com compaixão quando o cliente está triste, fornecendo um afeto de segurança quando o cliente está assustado, levando o cliente à sério quando ele ou ela está com raiva, e ficando empolgado quando o cliente está alegre. A sintonia pode incluir solicitar a crítica pelo cliente do comportamento do terapeuta, fazendo as mudanças necessárias de forma que o cliente tenha um senso de impacto na relação terapêutica.
7. A necessidade de que o outro inicie: Iniciar refere-se ao ímpeto de fazer contato interpessoal com outra pessoa. É o estender-se para o outro de alguma forma que reconheça e valide a importância que esta pessoa tem no relacionamento.
O psicoterapeuta pode estar sujeito a uma contratransferência induzida pela teoria quando ele ou ela aplica universalmente os conceitos metodológicos da não-gratificação, salvação ou auto-responsabilidade. Enquanto espera o cliente iniciar, o psicoterapeuta pode não estar levando em conta que um comportamento aparentemente passivo pode de fato ser uma expressão da necessidade relacional de ter o outro iniciar.
Para o terapeuta responder à necessidade do cliente pode ser necessário iniciar um diálogo, sair da sua cadeira e sentar-se ao lado do cliente, ou telefonar para o cliente entre sessões. A disponibilidade do terapeuta de iniciar contato interpessoal ou de assumir responsabilidade por uma parcela maior do trabalho terapêutico normaliza a necessidade relacional do cliente de ter alguém que vá ao seu encontro.
8. A necessidade de expressar amor: Com freqüência o amor é expresso através da gratidão, do agradecimento, do dar afeto, ou em fazer algo pela outra pessoa. A importância da necessidade relacional de dar amor - seja de crianças aos pais, irmãos, ou professores, ou do cliente para o terapeuta - muitas vezes passa despercebida na prática da psicoterapia. Quando a expressão do amor é obstruída, a expressão do si-mesmo-no-relacionamento é frustrada. Com excessiva freqüência os psicoterapeutas têm tratado a expressão de afeto dos clientes como sendo manipulação, transferência ou uma violação de uma fronteira terapêutica neutra.
Aqueles clientes para quem a ausência de satisfação das necessidades relacionais é cumulativa requerem uma sintonia e envolvimento consistente e confiável por parte do terapeuta, que reconhece, valida e normaliza as necessidades relacionais e o afeto relacionado. É através da presença sustentada e com contato do psicoterapeuta que o trauma cumulativo (Khan, 1963) da falta de satisfação das necessidades pode ser acessado, com as necessidades sendo atendidas no relacionamento terapêutico.
ENVOLVIMENTO
O envolvimento terapêutico que inclui o reconhecimento, a validação, a normalização e a presença, reduz os processos internos de defesa. O reconhecimento do cliente por parte do terapeuta começa com uma sintonia ao seu afeto, às suas necessidades relacionais, ao seu ritmo e ao nível do desenvolvimento no qual o cliente funciona. Pela sensibilidade às necessidades relacionais ou às expressões fisiológicas da emoção, o terapeuta pode guiar o cliente para que este se torne consciente da existência e da expressão de necessidades e sentimentos, ou reconhecer que sentimentos ou sensações físicas sejam lembranças - a única forma disponível de lembrar. Em muitos casos de falha nos relacionamentos, as necessidades relacionais ou sentimentos da pessoa não foram reconhecidos, e pode ser necessário na psicoterapia ajudar a pessoa a obter um vocabulário para aprender a dar voz àqueles sentimentos e necessidades. O reconhecimento de sensações físicas, necessidades relacionais e afeto ajudam o cliente a tomar posse da sua própria experiência fenomenológica. Inclui um outro receptivo que conhece e comunica a existência de movimentos não-verbais, tensionamento de músculos, afeto, ou mesmo a fantasia.
Ocasionalmente, confrontos carinhosos cuidadosamente selecionados também são parte do reconhecimento. O confronto é uma afirmativa ou pergunta utilizada pelo terapeuta para trazer à consciência do cliente uma discrepância entre suas percepções e comportamentos, ou entre crenças de script e eventos reais (Erskine, 1982b, 1991b). O objetivo da confrontação é que o cliente e o terapeuta reconheçam a existência e a seguir o significado de comportamentos, interrupções do contato ou crenças de script. A utilidade da confrontação está relacionada à descoberta, pelo cliente, da função psicológica do comportamento ou da reação defensiva, bem como à validação do seu sentido arcaico. Os confrontos somente são eficazes quando feitos respeitosamente e sem humilhação de forma que o cliente experimente um aumento do seu bem estar.
Pode ter havido momentos na vida de um cliente onde os sentimentos ou as necessidades relacionais foram reconhecidas, mas não validadas. A validação comunica ao cliente que seu afeto, defesas, sensações físicas ou padrões de comportamento estão relacionados a algo significativo na sua experiência. A validação faz a conexão entre causa e efeito; valoriza as idiossincrasias individuais e a forma de estar em um relacionamento. Reduz a possibilidade do cliente internamente repudiar ou negar o significado do afeto, das sensações físicas, das lembranças ou sonhos. E dá apoio ao cliente para valorizar sua experiência fenomenológica e sua comunicação transferencial do relacionamento necessário, com isso aumentando a auto-estima.
A intenção da normalização é mudar a forma pela qual o cliente ou outros categorizam ou definem sua experiência interna ou suas tentativas comportamentais para lidar com a vida a partir de uma perspectiva patológica ou de “algo-está-errado-comigo” para outra que respeita as tentativas arcaicas de resolução de conflitos. Pode ser essencial para o terapeuta contradizer mensagens parentais ou sociais do tipo “Você é bobo por ter medo”, com frases como “Qualquer um sentiria medo naquela situação”. Muitos “flashbacks”, fantasias bizarras e pesadelos bem como boa parte da confusão, pânico e falta de defesa são fenômenos normais para lidar com situações anormais. É imperativo o terapeuta transmitir que a experiência do cliente é uma reação defensiva normal - uma reação que muitas pessoas teriam caso se deparassem com experiência de vida semelhante.
A presença é suprida através das respostas sintonizadas e sustentadas do psicoterapeuta às expressões verbais e não verbais do cliente. Ocorre quando o comportamento e a comunicação do psicoterapeuta respeitam e reforçam a integridade do cliente em todos os momentos. A presença inclui a receptividade do terapeuta ao afeto do cliente - ser impactado por suas emoções, sentir-se tocado e ao mesmo tempo permanecendo capaz de responder ao impacto das suas emoções sem ficar ansioso, deprimido ou com raiva. A presença é uma expressão do contato pleno interno e externo do psicoterapeuta. Comunica a responsabilidade, confiabilidade e segurança do psicoterapeuta. Através da total presença do terapeuta, o potencial transformador de uma psicoterapia orientada ao relacionamento é possível. Presença descreve o terapeuta provendo uma conexão interpessoal segura. Mais do que apenas a comunicação verbal, a presença é uma comunhão entre o cliente e o terapeuta.
A presença é reforçada quando o terapeuta desvia-se das suas próprias necessidades, sentimentos, fantasias ou esperanças, centrando-se no processo do cliente. A presença também inclui o oposto da descentralização, ou seja, estando em pleno contato com seu próprio processo interno e suas reações. A história do terapeuta, suas necessidades relacionais, sensibilidades, teorias, experiência profissional, sua própria psicoterapia e seus interesses literários todos moldam de forma única às reações ao cliente. A presença envolve tanto trazer a riqueza das experiências do terapeuta ao relacionamento terapêutico, quanto descentralizar do si mesmo (self) para focalizar o processo do cliente.
A presença também inclui permitir a si mesmo ser manipulado e moldado pelo cliente de uma forma que favoreça a auto-expressão do cliente. Como psicoterapeutas eficazes somos manuseados e genuinamente nos tornamos o barro que é moldado e formado para se adequar à expressão do mundo intrapsíquico do cliente visando a criação de um novo sentido de si mesmo (self) e si-mesmo-no-relacionamento (Winnicot,1965).
O envolvimento do terapeuta através de transações que reconhecem, validam e normalizam a experiência fenomenológica, o sistema de organização e a integridade do cliente, é o antídoto para a toxicidade de desqualificar a existência, o significado ou a responsabilidade para resolver rupturas do relacionamento-em-contato. A presença confiável e sintonizada do terapeuta contradiz a desqualificação pelo cliente do seu valor pessoal (Erskine, 1994).
JUSTAPOSIÇÃO
O psicoterapeuta que está envolvido e que responde ao relacionamento terapeuticamente necessário poderá estimular uma reação do paciente à justaposição entre o contato sintônico oferecido pelo terapeuta e as lembranças emocionais de desarmonizações anteriores (Erskine, 1991a, 1993). A justaposição contrasta com o que é oferecido na terapia, ou seja, a resposta recíproca sintonizada do relacionamento terapêutico, e o que foi necessário e desejado anteriormente, mas não vivenciado. Representa um desafio ao sistema de crenças de script do cliente e à sua homeostase psicológica (Bary & Hufford, 1990). A justaposição estimula lembranças emocionais que o cliente então tentará empurrar de volta ao inconsciente. Muitas vezes a justaposição se manifesta pelo cliente afastando o terapeuta após um encontro próximo, acusando-o por focalizar na “necessidade” do cliente, ou chegando atrasado ou cancelando uma sessão após uma outra na qual o cliente se permitiu depender da reciprocidade afetiva do terapeuta ou sua resposta às necessidades relacionais. Esta reação à justaposição entre o envolvimento sintônico do terapeuta e as lembranças emocionais do cliente pode indicar que o terapeuta está estabelecendo um ritmo mais rápido do que o tempo necessário para o cliente integrar a experiência. Nos casos de abuso físico ou sexual ou de trauma cumulativo de desarmonização prolongada ao afeto e às necessidades relacionais, as reações do cliente à justaposição podem também indicar que a intensidade do envolvimento terapêutico é excessiva, não permitindo a sensação de segurança. A reação à justaposição ocorre quando o sistema de defesas do cliente está relaxado e as funções autoprotetoras são transferidas para o relacionamento terapêutico mais rápido do que permite o processo de homeostase. O envolvimento sensível do terapeuta está no contínuo ajuste da sintonia rítmica e afetiva, na qualidade da capacidade de resposta às necessidades relacionais e num respeito pela função homeostática da integridade e do estilo de lidar do cliente.
Resumo
Uma psicoterapia de relacionamento orientada ao contato que focaliza o questionamento, a sintonia e o envolvimento, responde à necessidade atual do cliente de um relacionamento emocionalmente nutritivo que seja reparador e sustentador. O objetivo deste tipo de terapia é a integração de experiências carregadas de afeto e estados fragmentados do ego, bem como uma reorganização intrapsíquica das crenças de script fixadas do cliente sobre o si-mesmo (self), sobre os outros e sobre a qualidade da vida.
O contato facilita a dissolução de defesas e a integração de porções repudiadas da personalidade. Através do contato, as experiências inconscientes, repudiadas e não resolvidas são integradas em um si-mesmo (self) coeso. Na psicoterapia integrativa, o conceito de contato é o foco central da qual derivam as intervenções clínicas. A transferência, a regressão dos estados do ego, a ativação da influência intrapsíquica da introjeção, e a presença de mecanismos de defesa e crenças de script, são todos entendidos como indicadores de déficits anteriores de contato e relacionamento. O contato intrapsíquico e interpessoal pleno torna-se possível quando o cliente experimenta que o terapeuta (1) permanece sintonizado com o ritmo, afeto e necessidades do cliente; (2) é sensível ao funcionamento psicológico do cliente em faixas etárias relevantes do desenvolvimento; (3) respeita cada interrupção do contato e defesa auto-protetora; e (4) está interessado em compreender a forma que o cliente tem de construir significado.
As quatro dimensões do funcionamento humano - afetiva, comportamental, cognitiva e fisiológica – são um guia importante para determinar quando alguém está aberto ou fechado para o contato, portanto, para apoio terapêutico. Um objetivo maior da psicoterapia integrativa é utilizar o relacionamento terapeuta-cliente, a habilidade para criar contato no presente, como degrau para relacionamentos satisfatórios com outras pessoas, bem como um sentido de si mesmo (self) unificado e realizado.
Um princípio norteador desta psicoterapia integrativa orientada ao contato é o respeito pela integridade do cliente. Através do respeito, da bondade, da compaixão, e da manutenção do contato, estabelecemos uma presença pessoal e criamos condições para um relacionamento interpessoal que reforça a afirmação da integridade do cliente. Os métodos que aliviam o conflito intrapsíquico, facilitam a cura do script, resolvem a transferência e promovem a integração de um ego fragmentado, são fundamentados na crença de que a cura ocorre primariamente pelo contato interpessoal em um relacionamento terapêutico. Com a integração, torna-se possível à pessoa encarar cada momento com espontaneidade e flexibilidade na resolução dos problemas da vida e no relacionamento com as pessoas.
Richard G. Erskine, Ph.D., e Rebecca L. Trautmann, R.N., M.S.W., são diretores do Instituto de Psicoterapia Integrativa em New York City. São ambos Analistas Transacionais Didatas Clínicos. Esse artigo foi publicado originalmente no Transactional Analysis Journal, Volume 26, Número 4, Outubro 1996, pp. 316-328.
Agradecemos à Margaret de Boni pelo envio desse artigo.